Disney+: plataforma deve ocupar a segunda posição no Brasil

Principal competidora da Netflix chega à América Latina com catálogo robusto, e analistas discutem o que esperar da atuação da gigante do entretenimento no País
Ainda faltam três semanas para o Disney+ chegar ao Brasil, mas o mercado brasileiro já aguarda com expectativa o lançamento da plataforma de streaming de uma das maiores empresas de entretenimento do mundo. Consultores e analistas do mercado consultados pelo Estadão afirmam que a chegada da nova plataforma será positiva para o consumidor, e apostam que o serviço vai ocupar, rapidamente, o segundo lugar de assinaturas entre os disponíveis no País, ficando atrás apenas da líder no segmento, a Netflix.

Com uma estratégia um tanto agressiva de retirar o conteúdo próprio - e da Marvel, Pixar, Star Wars e National Geographic - de todas as outras plataformas de streaming, a Disney tem um ponto de partida mais favorável que as outras concorrentes justamente por já ter um catálogo robusto e amplamente conhecido.



As animações e os remakes recentes dos clássicos de princesas, os mais bem-sucedidos (pelo menos em quantidade de público nos cinemas) filmes de heróis da história, a franquia intergaláctica que se mantém relevante mais de 40 anos depois do lançamento original, as dedicadas histórias para todas as faixas etárias da Pixar e os conteúdos documentais do Nat Geo, e outras produções originais recentes - todo esse conteúdo, que estará disponível no lançamento do Disney+ no Brasil, em 17 de novembro, deve bastar para, num primeiro momento, a nova plataforma de streaming amealhar até milhões de assinantes por aqui.

Novos lançamentos de cinema também já estão planejados para a plataforma - o inédito Mulan, por exemplo, estreia diretamente na plataforma aqui em 4 de dezembro.

O presidente da Disney para a América Latina, Diego Lerner, já afirmou que o conteúdo local será produzido, com atores e diretores brasileiros, com investimento em séries e filmes, o que não deixa de ser uma notícia animadora para o mercado audiovisual brasileiro, bastante maltratado nos dois últimos anos.

"Há muitas conversas nesse sentido porque o mercado deu uma parada com o Fundo Setorial do Audiovisual e a Ancine travou as verbas", explica a CEO e fundadora do grupo Stenna, Carolina Vargas, há 15 anos trabalhando com produtoras e distribuidoras de conteúdo de entretenimento. "A Disney não precisa de Fundo Setorial para levantar produções originais. Mesmo assim, vai levar uns dois anos para conteúdos locais novos chegarem à plataforma. Assim, vejo um crescimento grande no lançamento, mas não sei se sustenta a subida crescente que eles estão planejando."

A subida crescente se refere à grande adesão que a plataforma da Disney teve nos Estados Unidos e em outros 28 países. Em menos de um ano, já são 60 milhões de assinantes, segundo a empresa - para comparação, a Netflix possui cerca de 190 milhões em 190 países.

TECNOLOGIA
A visão de Lerner, exposta em raras entrevistas sobre o assunto até aqui, porém, concorda com a de analistas que afirmam que o brasileiro tem uma alta adesão à tecnologia, mesmo tendo saído atrás de países mais desenvolvidos, como os Estados Unidos e os países da Oceania.

"Tecnologicamente, o Brasil é um dos públicos que mais tem aderência ao consumo de conteúdo", explica a consultora estratégica de entretenimento e conteúdo Patricia Weiss, há 20 anos envolvida na discussão. "Não importa se vai acumular uma série de assinaturas. Quem tem o mínimo de poder aquisitivo, vai assinar. O consumidor brasileiro vai pagar ainda menos do que com a TV a cabo, que ainda é muito cara. Daí o movimento nos últimos anos de transferência de conteúdo para as plataformas digitais."

Vargas, porém, se diz preocupada com a entrega do produto ao cliente final, uma questão com que a Netflix, por exemplo, lida há quase 10 anos no Brasil. "Para entregar o conteúdo regional, fora dos grandes centros, é necessário um fluxo de internet considerável. Alguns serviços já em atuação, por exemplo, não funcionam direito no Nordeste. A Disney vai precisar desse fluxo. Quem entrega é o provedor regional, que são concorrentes diretos das plataformas, porque vendem conteúdo de programação para a região. O que eles fazem então? Eles bloqueiam o tráfego de outras plataformas."

Para ela, a experiência final do consumidor vai ser diferente em diferentes regiões. "Os serviços regionais estão crescendo. Aqui no Brasil existe uma guerra de poder por isso. São mais de mil cidades em que as grandes operadoras de internet compram ou alugam banda dos provedores locais, que por sua vez, quando juntos, detêm uma participação de mercado que chegou a quase 40% em agosto, incomodando as grandes."

A relação custo benefício da qualidade de internet é outra questão, aponta Weiss. Em comparação a outros mercados, o tráfego de dados ainda é muito caro no País. "O Brasil apresenta qualidade de tecnologia diante de muito dinheiro do consumidor. Acredito muito que o Brasil precisa evoluir nessa relação de custo benefício. Mas quanto mais empresas como a Disney em atuação, melhor para o brasileiro. Porque essa presença também desenvolve critérios no mercado e no consumidor. Se cada vez mais ele vê coisas diferentes, cada vez mais ele vai escolher melhor."

CATÁLOGO
A força da marca Disney também é alardeada pela empresa como um trunfo em relação aos concorrentes, até porque são décadas e décadas de construção de imagens, conteúdos, entretenimento dentro e fora dos cinemas e das telas - não é preciso consultar pesquisas para perceber que o sonho de muitos brasileiros e brasileiras é "ir para a Disney". Mesmo assim, a concorrência, puxada pela Netflix, antecipou o momento em que as grandes empresas, como a Disney (mas também a Warner, por exemplo), ofereceriam suas plataformas próprias de streaming, e passou a investir pesado em produção própria. Muitas das melhores séries contemporâneas são produzidas diretamente para a internet, como Fleabag (Amazon), The Crown (Netflix), The Morning Show (Apple TV+) e outras. Esse movimento suaviza o impacto da retirada de conteúdos, segundo fontes.

"Quem mais sofre ameaça no momento é a TV por assinatura, porque olhando para o preço, não dá para comparar", explica Weiss. "O consumidor não necessariamente vai escolher entre uma plataforma e outra. O mercado de consumo de conteúdo em vídeo, mesmo que de baixa qualidade, é muito grande. O brasileiro vai adquirir."

Para o presidente do comitê de vídeo digital do IAB Brasil e diretor geral para LATAM na Magnite (plataforma global de tecnologia que facilita a venda de publicidade digital em diversos meios), Rafael Pallarés, a força do catálogo da Disney oferece aos usuários a possibilidade positiva de montar portfólios de conteúdos próprios. "Estudos nos EUA indicam que a maior parte das pessoas não está disposta a pagar mais do que US$ 20 em assinaturas mensais, o que dá em média dois serviços e meio em cada residência", explica.

"O limite no Brasil é mais baixo por casa. Chegando com catálogo forte, eles vão ter uma posição privilegiada. À medida que eles estão focando em montar bases de usuários, eles tiram o catálogo deles de outros serviços e isso força uma decisão", opina. "Nas empresas que têm produção muito grande de conteúdo, é tendência fazer isso. Esse segmento é muito fragmentado, há muitos players envolvidos, tem mais níveis que a TV a cabo."

A análise do conteúdo disponível do Disney+ aponta para um público mais jovem, embora produções como filmes da Marvel e da Pixar tenham potencial de atingir todas as idades. "Quando a Disney fala que 'nosso conteúdo é para família', é criança. E as famílias deixam de assinar TV a cabo porque as crianças já nascem no streaming. Esse público tem que ser um alvo para qualquer plataforma", diz ao Estadão a consultora estratégica de entretenimento e conteúdo Patricia Weiss.

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